Entrevista: ‘Ajudamos os casais a amadurecer seus conceitos de adoção’, diz juíza
No dia 25 de maio comemora-se o Dia Nacional da Adoção. Mas, há o que se comemorar? De acordo com a juíza Mônica Soares Gióia, do Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, sim. Nesta entrevista, ela conta que os casais estão cada vez mais conscientes quanto à importância de se amparar crianças – independente de raça ou idade – e confirma dados do Conselho Nacional de Adoção, da Corregedoria Nacional de Justiça, que apontam uma mudança no perfil das crianças adotadas.
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), da Corregedoria Nacional de Justiça, mostra que a discriminação racial dos pretendentes à adoção tem caído significativamente desde 2010. Como a senhora vê esta mudança?
Atribuo a redução da discriminação racial à maior conscientização dos casais, durante o curso de preparação psicossocial e jurídica, ministrado por este juízo. Os interessados passam por uma entrevista inicial com um técnico, fazem um pedido de adoção e passam pelo curso, que é ministrado por mim, além de psicólogos e pedagogos. Nesse curso, são tratados assuntos como adoção tardia e a necessidade de deixar de lado preconceitos de cor e raça. O casal chega com o sonho da criança branca e de olhos azuis e nós mostramos que o ideal está distante do real. Ajudamos esses casais a amadurecer seus conceitos de adoção. Há, por exemplo, um caso de uma mãe que resolveu adotar uma criança que seria encaminhada para a São Cotolengo. Outra, adotou uma criança cega.
Em Goiás, a senhora percebe esta evolução retratada pelo CNA? O que o Juizado tem feito para que esta mudança constatada pelo CNA seja uma realidade em Goiânia?
A abertura para adoção de crianças negras, pardas, bem como portadora de necessidades especiais pode ser verificada, de forma considerável, no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) desta capital, em virtude do trabalho desenvolvido por este juízo e sua equipe técnica. O curso de preparação psicossocial e jurídico é essencial para essa evolução. Nele, os interessados em adotar recebem textos e são submetidos a técnicas que levam esses casais a repensarem suas preferências. Há, por exemplo, um casal que chegou querendo adotar um bebê e se propôs a adotar uma adolescente de 14 anos. Além disso, promovemos eventos, ocasiões em que as crianças são apresentadas a esses casais. Aquelas crianças disponíveis portam pulseiras diferentes e nós estimulamos o convívio entre elas e os casais interessados.
Nesses eventos, a senhora percebe o papel do afeto no desenrolar das adoções?
Sim. Percebemos o papel do afeto porque a criança é naturalmente encantadora. Se o casal está disposto a oferecer amor, a criança cativa.
Qual o cenário da adoção em Goiânia?
Atualmente temos 13 crianças e (ou) adolescentes destituídas do poder familiar, já inseridas no CNA, hábeis para adoção. Por outro lado, existem 8 crianças na iminência de se concluir o processo de destituição.
Dos adotados em Goiânia de 2015 até hoje, quantos fugiram do perfil criança pequena e branca?
Entre os anos de 2015 e 2016, tivemos a inclusão de 15 crianças em famílias substitutas e todos esses menores fugiam do perfil de preferência da população brasileira (infantes de pouca idade e brancos). Uma delas tinha necessidades especiais e grande parte era negra e maior de cinco anos. Ou seja, todos fora do perfil ideal que os interessados buscam.
Qual o papel do projeto Anjo da Guarda no aumento das chamadas adoções tardias – de crianças com mais de três anos? Ele um dos fatores que impulsiona a adoção de crianças negras na sua opinião?
Sim. Por meio do Programa Anjo da Guarda verificamos sucesso na colocação de crianças maiores de 5 anos e adolescentes, por meio da adoção tardia, a qual impulsona a aceitação de menores negros e pardos. O programa é um facilitador dessa mudança que buscamos. Ele é inovador porque permite que os casais conheçam crianças maiores, que nem por isso são mais difíceis, nem menos amorosas. Tivemos aqui o caso de uma criança, cujo perfil não coincidia com o de qualquer interessado. Ela tinha então 7 anos. Trabalhamos no caso e uma família o adotou. Costumo dizer que eles ganharam na loteria porque ele é um menino especial, muito amoroso.
Qual foi o maior desafio – em termos de adoção – que vocês já enfrentaram até hoje?
Foi o caso de uns trigêmeos que foram devolvidos oito meses depois de serem adotados, porque o casal se separou. Tentamos sua colocação em famílias de Goiânia, Anápolis e chegou-se a cogitar a separação dos três, mas eu me opus. Até que encontramos um casal de Brasília. As crianças estão bem e muito felizes.
Quais são os entraves burocráticos que separam as crianças disponíveis para adoção de suas futuras famílias?
No caso da adoção consensual, o trâmite processual é rápido, uma vez que os genitores comparecem em juízo e ofertam consentimento para colocação de seus filhos em famílias substitutas, perante o ministério público e magistrada. No entanto, a grande maioria das colocações em famílias substitutas referem-se à infantes encontrados em situação de extremo risco. Nesta hipótese, a lei impõe ao magistrado a realização de um trabalho de conscientização da família, inclusão em programas sociais e de tratamento de drogadição, priorizando a manutenção das crianças no seio da família biológica. Não se verificando sucesso nessas ações, é autorizada a propositura da ação de destituição do poder familiar, com posterior colocação das crianças em família substituta. Tal procedimento, demanda tempo e grande trabalho, que acaba por burocratizar o processo de adoção.
Quais são os fatores impeditivos para a adoção mais comuns e como eles podem ser contornados?
Em que pese o impedimento legal quanto à adoção dirigida, ainda vislumbramos um grande caminho a percorrer, sendo imprescindível maior conscientização da sociedade. Sim, porque nós notamos que os casais estão cada vez mais conscientes, há uma motivação mais visível por parte de quem adota, uma necessidade mais específica de realmente ter um filho.
(Entrevista: Aline Leonardo – Centro de Comunicação Social do TJGO – Fotos: Istokphotos)